Cinco canções que merecem ser ouvidas de fones de ouvido

agosto 25, 2017

Há músicas e músicas. Há músicas para chorar, para correr e transar. Porém, a categoria mais especial para mim é o seleto grupo de canções que exigem fones de ouvido. Aquelas em que você precisa colocar o fone de ouvido para se teletransportar para outra dimensão, tocar a guitarra imaginária e ter um momento infinito. Tratam-se daquelas músicas que você precisa ouvir os instrumentos, as backing vocals, tudo isso ali, coladinho no seu ouvido.

Como alguém que não pode se dar ao luxo de viver sempre de fones de ouvido por causa da surdez, essa categoria adquire um novo significado para mim. Quando eu estou disposta a me arriscar e colocar os fones, é porque a música vale a pena. Não pode ser qualquer coisa. Preciso sentir o coração pulsar mais rápido ao escutar a canção de fones. A experiência é única, justamente porque ela vai demorar para se repetir. Talvez chegue um momento em que eu não possa mais repeti-la, inevitabilidades da vida.



Vasculhando meu Facebook, reencontrei uma postagem minha na qual eu falava sobre a morte do Joe Cocker e a emoção de ter assistido a um show dele por aqui. Lembrei imediatamente de When the night comes, porque ela é uma das primeiras músicas que fazem minha mão coçar para que eu coloque fones de ouvido. O que é essa música? A ambientação é Nova York, e é a cena do filme da minha vida em que o grande amor vai embora para sempre, não querendo ir, e aí entra o Joe Cocker cantando I JUST WANT TO BE THE ONE YOU RUN TO, I JUST WANT TO BE THE ONE YOU COME TO, I JUST WANT TO BE THERE FOR SOMEONE WHEN THE NIGHT COMEEEEEEEEEEEEEEEES! As backing vocals aparecem nas janelas de prédios enquanto eu choro e decido que preciso conviver com a dor de um grande amor perdido. É só colocar os fones e fechar os olhos, já estou em Nova York.



The Chain, do Fleetwood Mac, também é uma puta música e que exige DEMAIS o uso de fones de ouvido. Você também precisará de uma saia para rodar quando o solo do John McVie começar, mais para o final da música. Só penso em palavrões para descrever The Chain porque o que essa música me provoca é um negócio doido. É como se eu me chapasse só de ouvi-la. Tudo é fantástico nessa canção, a única composta por todos os integrantes do Fleetwood. Talvez por isso ela seja tão intoxicante, pois contém um pedacinho do que há de melhor deles. Há os vocais maravilhosos de Christine McVie, a atmosfera de mistério de Stevie Nicks e a amargura de Lindsey Buckingham. The Chain é como ondas do mar, sobem e descem, batem e se afastam. A música realiza uma elevação (no refrão) para depois voltar para o clima dreamy do negócio (listen to the wind blow, watch the sun rise). Meu ritual, na época da faculdade, era ouvi-la antes de as aulas começarem, para relaxar. 



Já não lembro mais como descobri La nuit je mens, canção de Alain Bashung, mas essa é outra que dá gosto em ouvir de fones de ouvido. Para começar, sua letra é uma poesia em forma de música. Alain canta sobre um cara que finge ser algo que ele não é, mais precisamente à noite, para agradar sua amada. As referências da letra, como Vercors, dão a entender que o protagonista de La nuit je mens era um colaborador na França ocupada pelos nazistas, provavelmente ligado ao exército. Ele se apaixona e fingir é seu maior tormento, fingir que ele não é um colaborador, como bem coloca o refrão:

La nuit je mens
Je prends des trains à travers la pleine
La nuit je mens
Je m'en lave les mains
J'ai dans les bottes
Des montaignes de questions
Où subsiste encore ton écho

Durante a noite eu minto
Eu tomo trens em direção à escuridão
Durante a noite eu minto
Eu lavo as mãos
Eu tenho nas minhas botas
Um monte de perguntas
Nas quais seu eco ainda permanece

Minha tradução grosseira tentou transpor 1% da beleza desses versos que me fazem chorar até hoje. Ela é simplesmente necessária porque poesia se ouve bem perto dos ouvidos, porque chega mais rápido ao coração. Alain Bashung, você nos deixou cedo demais.



Se La nuit je mens está nas dez confirmadas da bad nossa de cada dia, Sparring Partner, de Paolo Conte, também não poderia ficar de fora. Uma grande amiga apresentou-me a essa canção, através do filme 5X2, de François Ozon. A música começa a tocar quando as personagens principais do filme estão em um jantar. Valeria Bruni, maninha da Carla Bruni, começa a dançar, ela é linda, maravilhosa, mas sua dança é tudo menos sensual. É uma dança de melancolia, porque o espectador sabe desde o começo que ela e seu marido estão condenados à separação, e aquele momento pode ser o último entre o casal. Valeria dança com outros convidados do jantar, mas sua dança é cheia de tristeza, e essa tristeza está comigo todas as vezes que escuto Sparring Partner. Preciso ouvi-la de fones para me transportar para a lembrança do filme, aliás um dos melhores que Ozon já rodou, fica a dica. Além disso, o piano da música merece toda nossa apreciação delicada. 



Dolly Parton é uma artista tão fabulosa que qualquer música dela dá vontade de ouvir de fones de ouvido. Sei que qualquer escolha que fizer será uma experiência fabulosa. No entanto, ultimamente Romeo, do álbum Slow dancing with the moon, tem despertado meu lado mais karaokê. O clima não poderia ser mais anos 90, naquela época em que todo mundo fazia parceria com todo mundo, aquelas parcerias de CINCO ARTISTAS, como é o caso de Romeo. Uma pausa para dizer que o pai de Miley Cyrus, Bill Ray Cyrus, é a coisinha mais shippável com Dolly no videoclipe de Romeo. Flames of love, meu amor! Aliás, nomes como Pam Tillis e Tanya Tucker na parceria, como o ser humano pode resistir a não querer ouvir essas vozes de fones? Fecho os olhos e já crio a minha fanfic Billy e Dolly. Já pensou se Miley fosse filha deles? O mundo iria explodir com tanto talento.



A quinta e última música que precisa ser apreciada de fones de ouvido é I can't get no, de Edson Cordeiro e Cássia Eller. Minha mãe formou meu caráter musical, e ela simplesmente era apaixonada pelo Edson. Na metade dos anos 90, ele lançou um de seus melhores CDs, no qual ele realiza misturas de gêneros musicais, como o rock e a ópera. I can't get no satisfaction é a mistura da música dos Rolling Stones com a ópera A flauta mágica, de Mozart. Minha parte favorita é a da ária da Rainha da Noite, e é por isso que eu adoro ouvi-la de fones de ouvido, pois começo a dublá-la que nem uma idiota. Monserrat Caballé c'est moi. Sintam o poder dessa ária:

Verstossen sei auf ewig,
Verlassen sei auf ewig, Zertrümmert sei'n auf ewig, Alle Bande der Natur

Renegada para sempre,
Abandonada para sempre, Destruídos serão para sempre, Todos os nossos vínculos naturais
Quando criança, eu colocava essa faixa no nosso finado aparelho de som e me sentia na ópera de Paris. É uma pena que eu jamais tenha desenvolvido meu lado performático, vocês não imaginam do que sou capaz de fazer quando estou de fones de ouvido dublando músicas. Além disso, a subversão das expectativas de gênero nessa música é tão fantástica que, durante muitos anos, acreditei que os versos dos Stones eram cantados por um homem, não por uma mulher. 



E quais são as cinco músicas que vocês gostam de ouvir de fones de ouvido?

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