Primeiras impressões sobre O Retrato de Dorian Gray

agosto 16, 2017

Por indicação da Mia, comecei a ler O retrato de Dorian Gray, depois de ter me afastado durante muito tempo dos ditos clássicos. Acho que meus motivos têm a ver com o fato de que a faculdade fez com que eu odiasse esse tal de cânone, que me obrigava a gostar de obras cuja dimensão eu ainda não podia entender, ou seja, não tinha como ter qualquer opinião. No entanto, a propaganda boa da Mia fez com que eu repensasse essa ideia de que estava fadada a detestar clássicos. O resultado é: eu estou adorando demais esse livro, não consigo parar de ler.

A cada página, sinto que esse livro precisava de uma certa maturidade da minha parte para que eu pudesse apreciá-lo. Essa não é apenas a história de um homem cujo retrato envelhecia e ele não. Na verdade, o negócio é sobre beleza, sobre envelhecer, as coisas efêmeras da vida, sabe? Eu não sou especialista em literatura, mas minha impressão é de que Oscar Wilde está jogando na tua cara o quanto, já naquela época, as pessoas eram preocupadas com a beleza do mundo e não em envelhecer. Não envelhecer valia a arrogância de Dorian, valia sua postura de "joga fora no lixo" a cada vez que uma coisa perdia a graça, porque a vida é uma eterna reinvenção de coisas bonitas.


Sempre pensei muito sobre envelhecer, mas a verdade é que, neste ano, tenho pensado de um jeito diferente. Porque eu sinto chegar, olho para o espelho e vejo meus traços mudando. Exatamente como a visão de Dorian ao ver o retrato envelhecido, ver aqueles sulcos maléficos, como ele mesmo descreve, aquele sorriso de escárnio. Já me é difícil olhar para algumas fotos, porque sinto uma beleza que já se foi, e eu não posso trazê-la de volta. Nós sempre achamos isso ao revisitar nosso passado, de que antes era melhor e tal, a ilusão é forte. É difícil gravar vídeos para o YouTube, pois reconheço minha expressão mudar e nada me deixa mais incomodada do que isso: acompanhar o processo.  Quando Dorian tranca o retrato no porão, a mensagem que ele nos dá é a de que a velhice e feiura são insuportáveis demais para se assistir de camarote.

O retrato de Dorian Gray me fez pensar também em um filme de comédia de que gosto muito, A morte lhe cai bem. Nele, Madeline (Meryl Streep) e Helen (Goldie Hawn) tentam parar o tempo através de uma poção mágica. A única condição que elas tinham era a de se cuidar. O broche na roupa delas significava "Sempre viva", uma alusão de que o corpo das personagens estaria com elas para sempre. Elas são fúteis, mas o que importa é a aparência, uma silhueta fantástica. Um corpo que não envelhece não carrega as marcas da vida consigo. Esconder isso é besteira, mas cá estamos, fazendo de tudo para deter esse processo. Eu sigo incomodada com uma expressão a mudar todos os dias, algumas mulheres fazem cirurgias plásticas. Todos tentamos, de certa forma, cultivar o Dorian Gray que há em nós. 

Pensando em atrizes mais velhas, porque desse ramo eu entendo, percebo que muitas pessoas gostam mais da aparência delas do que delas em si. Enquanto elas forem sexualmente atraentes, está tudo bem. Será que depois, quando elas já não tiverem o mesmo viço, as coisas serão iguais? Será que ao gostarmos dessas mulheres estamos fazendo o Dorian Gray e vivendo por uma beleza do mundo? Uma beleza que assim que se esvanece a procuramos em outra pessoa. São questões.

Sybil Vane me fez pensar na minha relação com ídolos, também. Porque uma atriz pode ser todos e ninguém, e é isso que nos fascina. Dorian se apaixonou por Sybil porque ela o tirava da realidade, sendo Julieta em um dia e Imogène no outro. Quando ela interpreta mal um papel, é como se tirassem o chão dos pés de Dorian. Ele cai na real, de que ela era uma mulher como outra qualquer - e pobre ainda por cima. Além de estar em busca da beleza, Dorian quer escapar do mundo real, quem não quer? Quando gostamos de um ídolo, nós procuramos um escapismo da vida. Quando ele se apresenta como é, como uma pessoa, nos decepcionamos. Eu tinha 13 anos, e minha cantora favorita, de quem eu era muito amiga, disse que não poderia mais me receber na casa dela. Eu já tinha comprado passagem de avião e tudo. Só que não deu, ela estava com um problema pessoal. Fiquei arrasada e hoje, ao pensar nesse episódio, percebo que me decepcionei pelos motivos de Dorian. Ela estava se apresentando com todas suas fragilidades e seus problemas, e eu não conseguia entendê-la. Porque meu capricho precisava ser satisfeito. Não nos sobrou muito tempo para conversar sobre esse incidente, pois ela veio falecer alguns anos depois.

Ainda não terminei O retrato de Dorian Gray, imagino que ainda há muita água para rolar por debaixo desta ponte. Estou apreensiva, como um bom livro sempre nos deixa. É inevitável não pensar em todos os aspectos citados acima durante a leitura, de modo que O retrato de Dorian Gray está sendo uma tijolada na minha cabeça. Mas sigamos. Precisamos refletir, por mais que doa.

E sobre a beleza do mundo, deixo algumas fotos de Jeanne Moreau encontradas por minha namorada hoje. Eu sinto uma melancolia inexplicável ao olhar para Jeanne, e talvez seja por isso que eu a ame tanto.




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