Um momento para enaltecer Nathalia Timberg

agosto 06, 2017



Ontem flopei no BEDA, mas a gente faz de conta que nunca aconteceu e continua, risos.

Minhas referências LGBTs nunca foram muitas, como é de se esperar em uma sociedade heteronormativa. Mesmo depois que saí do armário, eu me sentia muito perdida porque não conseguia me ver em nenhum personagem da televisão ou nenhuma celebridade. Isso se deve ao fato de que meus gostos são um pouco diferentes, assim como minha relação com a cultura pop. Minhas referências não são da minha geração, e não havia ninguém dentro do meu espectro de gostos que tivesse desempenhado um papel fenomenal no meu empoderamento enquanto lésbica.

Até o dia em que eu sentei para assistir ao primeiro capítulo de Babilônia com minha mãe. Eu já tinha ouvido falar em toda ~polêmica que o personagem dela iria despertar por ter um relacionamento sólido com nada mais, nada menos que Fernanda Montenegro. Confesso que não dei bola, eu estava esperando mais uma flopagem, mais uma representação torta. E aí, como já contei neste texto para meu querido Valkírias, o inesperado aconteceu: ela beijou a Fernanda Montenegro no PRIMEIRO CAPÍTULO DA NOVELA. NO QUARTO. ELAS SE BEIJARAM NA PORRA DO QUARTO.



Uma pausa estratégica, porque o vislumbre dessa cena ainda mexe muito comigo.

Ali, já estava completamente entregue, mordendo minha língua mesmo. Não é preciso muito para a gente se encantar com a Fernanda Montenegro, eu já era o suficientemente encantada por ela desde o dia em que a assisti berrar no telefone para Irene, em Central do Brasil, que ela estava fodida. Mas o rosto de Nathalia Timberg era uma novidade para mim, a última vez que me lembrava dela era em Porto dos milagres, a primeira novela que arrebatou o coração desta noveleira que vos fala.

Comecei a acompanhar Babilônia e a cada capítulo Estela, personagem de Nathalia, me encantava mais. Sei que é loucura dizer isso, mas algo fazia com que eu me identificasse muito com ela. Talvez seja o fato de eu achar o jeito e a maneira como Estela se vestia similares às minhas, logo eu com tantos problemas de aceitação dentro dessa comunidade LGBT+. De repente, me dei conta de que eu poderia ser a Estela, de que não havia problema em eu ser da forma que eu era. Cresci cercada por referências musicais LGBTs+, como Cássia Eller e Zélia Duncan, e isso moldou o que era ser uma ~lésbica para mim. Quando Estela apareceu em minha vida, ela me mostrou que eu era válida, que Cássia e Zélia eram válidas, enfim, todas eram válidas.

Estela em Babilônia.


Minha terapeuta diz que, por não tido tanto acesso ao meu passado, eu mergulho no dos outros para saber mais, que eu vou até o fim na busca pela vida de uma pessoa. Foi o que fiz com Nathalia. Comecei a assistir às suas outras novelas, Vale Tudo e O Dono do Mundo. Logo já havia passado para os filmes, os pouquíssimos filmes que ela fez. Nessa busca, descobri em Nathalia uma quase versão minha mais velha. Ela falava francês como eu e adorava Simone de Beauvoir. Ela tinha um interesse fantástico por poesia e literatura, assim como uma cultura de mundo invejável. Eu pensava nas tardes que nós poderíamos passar tomando chá e conversando sobre cinema. No entanto, até nisso ela era parecida comigo: fechada em seu mundo, quase inacessível.

Em dezembro de 2016, eu tive a oportunidade de assisti-la em São Paulo, quando ela estava em cartaz com a peça de teatro 33 Variações. Sentei na primeira fila, achando que estava preparada para o rojão. Minha reação ao vê-la entrar em cena, tão perto de mim que quase podia sentir sua respiração, foi de não conseguir olhar em seus olhos. Eu tinha medo de denunciar o mesmo olhar idiota estampado no meu rosto na ocasião de Babilônia. Aos poucos, aquela pessoa das novelas e dos filmes foi tomando forma, foi ficando mais fácil encará-la de frente. Aí, me deparei com a verdade de toda pessoa que conhece o ídolo pessoalmente: ela era mais fascinante do que eu tinha previsto. Meu Deus.

Quando 33 Variações terminou, fiquei para falar com ela. Eu e minha namorada, também fã dela, fizemos uma caixa de lenços para Nathalia, e eu pretendia entregá-la se minha crise de pânico deixasse. Dentro da caixa havia um lenço que eu tinha comprado em Paris. Depois que a horda de espectadores da peça saiu de perto dela, eu me aproximei. Não consigo nem descrever o que estava sentindo, meu coração praticamente foi parar na minha boca. Estava com medo. Medo porque Nathalia não era Estela. Ela poderia ser arrogante e homofóbica. Beijar Fernanda Montenegro não te faz uma pessoa perfeita.



Há tantos detalhes que guardo do nosso primeiro encontro, mas o principal deles é o olhar calmo que ela pousou sobre mim. Naquele momento senti que, de alguma maneira, estava segura. Ela me abraçou e a sensação de segurança foi ainda maior. Foi como se eu pudesse ser eu mesma, sabe? Além dessa segurança, Nathalia tem um dom raro hoje em dia: ouvir. Comecei a contar minha história no estilo De volta para minha terra do Gugu enquanto ela ouvia. Ela me ouviu sem interromper durante cinco minutos. Ela não chamou a produção, ela não disse que estava com pressa para ir embora. Simplesmente me ouviu. Só por aquilo já estava realizada.

Entreguei o presente, dentro dele havia uma carta junto com o lenço. Ela foi para um cantinho e começou a ler a carta. Eu queria chorar. Meu Deus, ela estava lendo a carta que escrevemos para ela. MEU DEUS, ELA ESTÁ RINDO ENQUANTO LÊ ESSA CARTA, SOCORRO. Ela lia com o sorriso de quem recebe a carta de alguém há muito tempo sumido. Aquela alegria genuína. Nathalia terminou de ler a carta e novamente senti seus braços nos meus, nessa que é a situação mais fanfic com meu ídolo que já passei. Depois de me abraçar, ela disse:

Preciso conhecer sua namorada, hein, afinal sou madrinha desse relacionamento.

A GENTE JÁ PODE CANCELAR O POST? ACHO QUE VOCÊS JÁ ENTENDERAM O SIGNIFICADO DESTA SENHORA PARA MIM.

Escrevo em caps lock mesmo porque não coube em mim de tanta felicidade quando ela se mostrou tão acolhedora depois de eu lhe contar algo tão pessoal. Em 2016, estava começando a sair do armário para meus amigos, e eu vivia com medo do desprezo deles. Procurava dizer para eu mesma que não poderia me reduzir à minha orientação sexual, embora muitas pessoas do meu convívio social tentassem me mostrar o contrário. Quando você é heterossexual, as pessoas lhe perguntam o tempo inteiro sobre seu namorado, e os namoradinhos? e os rolinhos?. No entanto, ao sair da heternormatividade, o que nos espera é o silêncio e a invisibilidade. Quando alguém lhe pergunta sobre sua namoradA, especialmente alguém quem você admira tanto quanto Nathalia, você sente que aquilo está sendo encarado da maneira que todos deveriam encarar: normalmente. Eu sentia que eu existia, que era importante. Que eu não estava sendo ignorada, como tantas vezes fui em rodas de amigos e em círculos familiares.

Ontem foi aniversário desse ser iluminado, e eu só posso ser grata por habitar o mesmo mundo que ela. Agradecer pelo ser humaninho fantástico que ela é, sempre tão meiga e gentil. Neste ano nos encontramos novamente, ela lembrou do presente que demos para ela. Como não amar, minha gente?! Ela sorriu, ela conversou, ela sorriu de novo, ela estava cheirosa. Ela ouviu meus discursos, porque até nisso somos parecidas, nós adoramos dar discursos sobre qualquer coisa.

Meu docinho, obrigada (mais uma vez) por espalhar a sua luz na minha vida, por ter me tornado uma pessoa melhor. Amo você.

Um momento para enaltecer (de novo) Nathalia Timberg

Agora essa porra é séria. Já enalteci a pessoa, enaltecerei o trabalho artístico fantástico dessa mulher. Como tudo na minha vida, eu fui escolher ser fã de uma pessoa cujos trabalhos são raros e difíceis de achar. Mas não impossíveis, é claro. Fiz uma lista de títulos bastante acessíveis, todos estão disponíveis no You Tube:

1) Vestido de noiva, 1974: veja bem, fui até a USP, em São Paulo, para assistir a esse teleteatro da TV Tupi. Na época, a única cópia disponível estava na biblioteca da ECA. Voltando ao assunto, o teleteatro foi uma espécie de teatro televisionado, com o intuito de levar para a casa dos espectadores algumas peças de teatro muito fodas. Vestido de noiva era uma delas. Baseada na peça homônima de Nelson Rodrigues, a maior graça desse trem é a fotografia, a forma como Antunes Filho, o diretor, mostra com imagens o sentimento da peça. É tudo muito agoniante, e a câmera de Antunes está lá documentando tudo. Nathalia é Madame Clessi, a dona do bordel na história, e eu enalteço esse papel porque foi uma das poucas vezes que assisti Nathalia sensualizando na tela. Vale muito a pena.

2) Em três atos, 2015: esse foi o último filme que Nathalia fez para o cinema, e ele já vale a pena só poder ter sido dirigido por Lúcia Murat e ser baseado em uma obra de Simone de Beauvoir, Uma morte muito doce. Mas se ainda não te convenci, lá vai: Lucinha é uma diretora magnífica que já dirigiu filmes muito importantes sobre a ditadura civil militar, como Que bom te ver viva e A memória que me contam. Quanto à Beauvoir, a história do livro tem como base a própria vida de Simone, quando a mãe dela estava prestes a falecer. O livro fala sobre envelhecer e a morte. É uma tijolada na cabeça, mas no bom sentido.

3) A pata do macaco, 1983: depois que o teleteatro terminou, Caso especial foi o programa que deu sequência à proposta de adaptar contos/peças e afins para a televisão. Era uma espécie de modernização do teleteatro. A pata do macaco é um conto de terror de W.W Jacobs e conta a história dessa pata que concede três desejos às pessoas, só que, né, com consequências mortais.

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