Olhar para o teu rosto é sentir a vida acontecer em mim

setembro 21, 2017

Eu posso tá completamente enganado, eu posso tá correndo pro lado errado

A última vez que a letra de Infinita Highway parecia dizer o que ninguém mais entendia foi em 2008, durante uma viagem para Gramado. Foi nessa viagem que descobri o verdadeiro significado de amizade, porque minha amiga comprou uma aventura em busca do meu ídolo sem sequer gostar dele. Também foi a viagem em que eu descobri, através dela, os Engenheiros do Hawaii. Na volta, depois de passar dois dias maravilhosos ao lado do meu ídolo na época, ouvimos todo o CD da banda. Infinita Highway resumia toda aquela jornada cansativa, o choro por quase não ter conseguido falar com aquela cantora, Silvinha, por quem eu faria tudo aos 13 anos.

Hoje, aos 26 anos, descobri que Infinita Highway continua tão atual quanto o era aos 16. O sujeito da canção mudou; a mensagem não.

Você me faz correr demais os riscos dessa highway





Foram três dias em que em corri demais os riscos de uma estrada que ninguém entendia muito bem. Que, durante muitos momentos, nem eu entendia mais. Havia um horizonte trêmulo (como diz bem a música) e meus olhos estavam úmidos e cansados de tanto chorar. Eu estava cansada de habitar a minha cabeça, o meu corpo. As curvas perigosas da highway me atraíam demais, não dava para sair da estrada e descansar. Não iria sair da estrada até que o carro derrapasse e eu caísse pelo abismo infinito da minha frustração.

Você tomou a direção e impediu que o carro voasse, exatamente como a cena final de Thelma & Louise. Com a sua calma de sempre, com seu jeito que me emociona sempre, você tomou o controle do carro e disse que ia ficar tudo bem. Que era para eu ir com calma, que eu não podia ser tão impulsiva e atirar o carro por cima de tudo.


Nesses três dias em que esse carro desgovernado era minhas emoções, aprendi muito sobre eu mesma e a maneira como enxergo as pessoas. O silêncio da highway me mostrou que, em muitos aspectos, aquela adolescente de 13 anos que fui ainda está perdida aqui, aos 26. Ela aparece nesses momentos desgovernados, em que as expectativas do mundo não correspondem ao que eu espero e tudo o que resta é chorar e reclamar. No entanto, essa adolescente não está mais no comando da direção, a mulher de 26 anos assumiu o volante. E a mulher de 26 anos ensinou pra essa menina que as pessoas não têm obrigação em corresponder nossas expectativas. Que ela não podia simplesmente fazer com que alguém fosse algo que não era. Que você não pode exigir mais daquilo que as pessoas estavam dispostas. É claro que a adolescente de 13 anos não parava de fazer um monte de perguntas meio filosóficas no meio da estrada:

Por que não me contento com o que eu já consegui?

Eu quero isso mesmo?

O que estou fazendo aqui?

Pobre da adolescente de 13 anos, ela não sabe de nada. No entanto, exatamente por não saber de nada, ela ensinou tanto a mulher de 26, essa que acha que sabe tudo. Ensinou que cada detalhe é precioso, e é isso que fica no fim das contas. Os detalhes ficam, as frustrações são levadas pelas lágrimas e pelo ralo. Os detalhes são entornados no copo de vinho. A mulher de 26 anos está feliz porque ela cumpriu sua missão. Ela está chorando porque os detalhes a emocionam demais, e é difícil discernir de onde esse choro vem. É felicidade? É cansaço? É o cansaço de ter percorrido uma estrada difícil e dura demais e chegar ao final dela com a sensação de dever cumprido. É o corpo cansado, é a lama, é a lama.

De detalhes a mulher de 26 anos que vos fala entende bem. Eles estão por tudo. Eles estão na colcha da cama que era azul. No espelho usado em outros espetáculos. No relógio que está sempre no teu pulso esquerdo. Nos famosos colares enormes, que tomam parte do teu colo cheio de manchas, essas manchas que muitos adoram chamar de marcas da velhice. Tudo isso falava comigo naqueles instantes que pareceram uma eternidade para quem havia dirigido o carro desgovernado durante tanto tempo e precisava urgentemente de um lugar para descansar. Eu descansei no teu abraço carinhoso e eu não sou tão boa assim para ter captado todos os detalhes daquele momento, como o teu cheiro, por exemplo. Só queria fechar meus olhos e descansar. Descansar, porque meu corpo tremia por inteiro. Porque eu estava quase tirando as mãos do volante e acelerando o carro em direção ao penhasco.

Olhar para o teu rosto é lembrar que a vida está acontecendo, a cada instante, a cada minuto. A vida acontece, o teu rosto envelhece mais um pouco, eu morro mais um pouco por dentro porque a morte está me espreitando, até mesmo nesses momentos felizes. Nunca sei quando será a última vez e isso me mata. Nunca sei se a ceifadora está ali nos olhando e rindo discretamente. No entanto, a adolescente de 13 anos que fui sabe que é perda de tempo pensar nisso. Ela sabe nada nos prepara para a cerimônia do adeus, não há coração que esteja preparado. Então, como diria o poeta, vamos viver o que há pra viver. Vamos memorizar cada detalhe, para que, mesmo durante o pranto queixoso da morte, ainda tenhamos motivos para sorrir.

Odeio ser Tereza, porque nem nos meus momentos mais felizes consigo ser leve. É tudo peso, e nosso encontro trouxe o peso da morte de novo, o mesmo peso que me assombrou aos 13 anos. Quando você assumiu a estrada, naqueles minutos intermináveis, percebi que você me lembrava demais a Sabina, personagem de A insustentável leveza do ser. Você vive cada momento pela sua arte. Ao assumir o volante das minhas emoções, você mostrou que eu podia largar um pouco as mãos da direção e aproveitar a oportunidade que a vida estava me dando. Eu fui leve por alguns instantes, e essa é a maior lembrança tua que levarei pela vida.

Você me ensinou a ser leve, me mostrou que eu não tinha que serrar tanto as mãos ao pegar na direção. Que eu podia dançar pelo ar, que eu podia sorrir e ser expansiva sem pensar no que os outros estavam pensando. Que meu peito poderia se abrir de tanto amor, como eu fiz, sem medo de que toda a minha seriedade ou inteligência fossem desaparecer. 

Eu poderia viver olhando para o seu rosto e, ainda assim, não saber o que está se passando com ele. Isso não importa, eu acho, porque eu sei o que EU sinto. Olhar para o teu rosto é lembrar que a vida está acontecendo em mim, que estou me sentindo viva e leve. Que posso deixar tudo para trás e atravessar a estrada como eu quiser, sem ninguém reclamando da maneira como eu dirijo minhas emoções.

Eu te amo por quem tu é.

Eu te amo por me mostrar quem eu sou.

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