A vida descarrilhou e mais um monte de bobagens

outubro 15, 2017



A vida descarrilhou. Eu gosto desse verbo, porque ele descreve muito bem o que houve comigo. O trem perdeu o controle desde meu último encontro com Nathalia Timberg e, desde então, eu tento recuperar um suposto controle da minha vida. Quando falo em controle, não estou falando exatamente sobre minhas emoções, essas têm andado até que na linha, digamos assim. Estou falando do controle sobre meu trabalho, minha produtividade, minhas horas em frente ao computador.

Trabalho em casa e sou tradutora. Se minha vida profissional tivesse um título, seria A mulher que não sabia a hora de parar. Antes mesmo de encontrar Nathalia, eu já tinha trabalhado muito, virando noites e perdendo finais de semana, para poder folgar sem me sentir culpada. Depois do encontro, eu não descansei e cá estou descarrilhada, me metendo em furadas porque não sei dizer não da maneira devida, porque o pânico de ser autônoma sempre me persegue. 





A vida de tradutora revelou um lado que até então eu não conhecia: o da organização. Eu sou muito organizada, organizada até demais. Faço prognósticos para tudo, aliados às planilhas fantásticas de produtividade apresentadas por uma amiga tradutora. No entanto, esse prognóstico falhou. Falhou porque eu estava exausta e foi aí que meti os pés pelas mãos e tive que me matar trabalhando. Sequer jantava mais com minha mãe e avó, rituais que temos aqui em casa. Não dava. Precisava cumprir prazos. Nesse processo de tradutora, também descobri como sou determinada. A tentação me rodeia, veja bem, a minha cama é do lado do meu computador. Eu tenho um monte de séries para terminar, não tenho chefe. A tentação está ali, posso deitar em cima dela se quiser. Porém, resisto e isso me deixa contente de certa forma. 

Por meter os pés pelas mãos não consegui mais escrever. Nem aqui, no Valkírias ou no Cine Suffragette. Assistir a filmes era uma lenda para mim e quando eu conseguia, eu adormecia nos cinco primeiros minutos. Shame on me. Fiquei triste, chorei, me amaldiçoei durante alguns minutos e faltei a terapia. Foi duro demais, porque eu queria conversar sobre a sensação de perder o controle quando eu ainda tenho o controle. Quer dizer, eu sabia o quanto teria de trabalhar para dar conta da minha m*, mas ainda assim, algo me dizia que o carro ainda derrapava na estrada. O que está acontecendo afinal?

Depois de sofrer, decidi tomar a limonada que fiz com gosto de não saber dizer não. Ela continuava amarga, coloquei um pouco de açúcar e passei a ser mais gentil comigo mesma. Tudo bem, eu perdi o controle, mas pelo menos tenho consciência disso. O pior era quando eu sequer parava para pensar nas 12 horas sentada na frente de um computador. Isso era bem pior. Aí até me dei o luxo de sair de casa, porque não via a luz do sol desde 1799.

Há tanta coisa para dizer, não sei se conseguirei fazê-lo neste texto, mas começarei dizendo apenas que meu coração está contente em estar aqui, em ter conseguido tempo para estar nas paredes supostamente protetoras do Blogger. À medida que o prazo de entrega do projeto chega ao fim, e eu percebo que consegui dar conta do negócio, minha cabeça pipoca de tantas ideias para textos e vídeos novos. Meu lado criativo, pelo menos, está a salvo, pois o projeto em questão é a legendagem de um filme. Ele é meio bobinho, mas cheio de referências musicais. Além disso, legendar exercita muito meu lado criativo. Meus últimos trabalhos me exigiram muito nesse sentido, inclusive um conhecimento de palavrões que eu nem sabia que tinha.

O que andei produzindo por aí:

Legendagem de Out of thin air: quem me segue no Twitter deve ter visto que meu primeiro documentário legendado para a NetflixOut of thin air, já está no ar. O que dizer? A alegria, meus amigos, é real. O orgulho também. Não é o primeiro material que legendo, e sim o primeiro creditado. Antigamente, a Netflix não creditava seus tradutores, ainda bem que essa prática mudou. Já legendei alguns episódios de um anime chamado The irregular at magic high school, não sei se continua disponível na Netflix. Sobre Out of thin air, trata-se de um documentário sobre um crime sem solução na Islândia, nos anos 70. Tenho o péssimo hábito de me envolver emocionalmente com aquilo que traduzo e não foi diferente com esse material. Terminei de legendá-lo com lágrimas nos olhos, alguns depoimentos me emocionaram muito.


Orgulho define.


Vídeo para o Cine Espresso sobre teleteatro no Brasil: uma das minhas saudades era gravar vídeos para o Cine Espresso, meu canal sobre cinema no YouTube. No meio da vida descarrilhada, abri um espaço do meu dia para falar sobre um dos meus assuntos preferidos (e que me fazem começar a gritar feito a velha surda da Praça é nossa que sou): o teleteatro. Ele foi uma mistura de teatro com televisão que abriu as portas para o que conhecemos hoje como linguagem televisiva. Eu me apaixonei por esse gênero quando assisti Vestido de noiva, de Antunes Filho, na biblioteca da ECA, em São Paulo. Adivinha com quem era? Sim, Nathalia Timberg, meus amigos. Porém, esse teleteatro não é bom só por causa dela, não. Há muitas coisas bacanas e eu falo sobre algumas delas no vídeo. Algo que me fez querer gravar um vídeo sobre isso foi a falta de conhecimento geral sobre o assunto. Ninguém sabe, ninguém viu. Há ainda a questão dos arquivos (e é isso que me faz gritar feito a velha surda da Praça), que permanecem, em sua grande maioria, inacessíveis. A TV Cultura tem um programa só para reprisar essas produções, Grande teatro em preto e branco. Mas adivinha? Passa de madrugada. Madrugada, meus senhores. Eu quero chorar. Esse vídeo é um esforço na tentativa de fazer com que as pessoas parem de cuspir na televisão (e principalmente em novelas), porque a gente é bom no que faz. Sério.


O que andei assistindo:


Para uma pessoa com uma vida descarrilhada até que vi bastante coisa. 

Roberto Carlos e o diamante cor de rosa: se você não gosta de Roberto Carlos, dê o fora deste blog. Brincadeira! Minha namorada nunca tinha visto nenhum filme dele ainda, por isso decidi iniciá-la nessa vida, apresentando-lhe esse clássico trasheira com Erasmo Carlos e Wanderléa, o OTP triplo que você respeita. O filme é trash por causa da história, uma salada de apropriação cultural e incongruências, embora as locações sejam lindas e os números musicais também. Tudo começa com o sumiço de um diamante cor de rosa, um trem super precioso. O diamante tem uma lenda bastante louca que envolve pontos turísticos do Rio de Janeiro, como o Pão de Açúcar. O barato desse filme é a química fantástica entre o trio protagonista. Erasmo, Roberto e Wanderléa funcionam tão bem, não entendo porque ela só foi aparecer no terceiro e último filme de RC. A amizade entre eles é verossímil e sustenta boa parte do filme. O meu destaque vai para a sequência de abertura, com a canção As curvas da estrada de Santos. Roberto no carro, descendo as curvas, eu fiquei até arrepiada só de lembrar. Aliás, Roberto é dono de versos tão bonitos, como Eu prefiro as curvas da estrada de Santos/Onde eu tento esquecer/ Um amor que eu tive e vi pelo espelho na distância se perder. Ele estava se encaminhando para sua melhor fase musical e clássicos como Não vou ficar (também no filme) já mostravam essa mudança.

Our souls at night: vocês me dão licença, mas eu vou gritar! Jane Fonda! Robert Redford! Amor na terceira idade! Apesar de ter odiado o final, esse filme aqueceu meu coração. Não é surpresa para ninguém o quanto amo Jane Fonda, inclusive já escrevi sobre seu ativismo, uma das facetas mais fascinantes dessa mulher. No entanto, algo que me incomoda é que, de uns tempos pra cá, ela só vinha recebendo papéis de socialite, vide A sogra. Que coisa boa ver mais uma camada de sua atuação, menos arrumada, mais normal. Meu problema é que as pessoas endeusam mais a Jane por sua beleza física do que por seu ativismo, sua luta no Vietnã e pelas mulheres. Voltando ao filme, Redford e Fonda trabalharam duas vezes juntos, a mais famosas em Descalços no parque. Confesso que não assisti a esse filme ainda, pois minha época favorita de Robert é anos 70, quando suas escolhas de papéis se voltaram mais para assuntos políticos. Inclusive ele odeia que digam o quanto ele é bonito, é engraçado vê-los nas entrevistas de divulgação de Our souls at night cortando jornalistas que insistem em colocá-lo como galã. 

Possessão: decidi fazer uma maratona na sexta-feira 13, logo eu, essa pessoa que conhece tão pouco sobre filmes de horror. Escolhi Possessão, um filme dinamarquês de Andrzej Żuławski, com Isabelle Adjani. Jesus Cristo (eu estou aqui, nope)! Que loucuragem. Que filme. Preciso pensar sobre ele. Ele é basicamente sobre uma mulher possuída por um demônio, mas não é bem isso, sabe? Há camadas muito profundas nele, porque a possessão de Anna (Adjani) está ligada à falta de perspectiva na vida. Ela começa como uma esposa e mãe e não sabemos mais nada sobre seu passado. De repente, tomamos conhecimento de que ela traía o marido. O marido fica doido, é abusivo e o filme vai evoluindo para nos mostrar a possessão de Anna. Possessão é perturbador em tantos sentidos. Primeiro porque a maneira como Andrzej Żuławski filma é de deixar a pessoa enjoada. Sério. Dá uma sensação enjoativa, a câmera chega perto demais dos personagens e você sente a loucura deles. Depois porque o sofrimento de Adjani nesse filme, físico e psicológico, me fez pensar sobre como a glorificação do sofrimento feminino no cinema. Uma das cenas mais chocantes e perturbadoras é quando ela vomita sangue pelas paredes do metrô, gritando, toda suja e suada. Até que ponto torturar mulheres é arte? Por que não vemos coisas assim envolvendo homens?  Pretendo escrever sobre ele para o Cine Suffragette, mas ainda preciso absorvê-lo.

O que andei ouvindo:

Uma salada de coisas, mas vou elencar as que tem tido a minha atenção ultimamente.


Um pouco do que andei ouvindo no último mês.


Angela Maria: é, meus amigos, este momento chegou. Aquele momento em que você percebe que está se interessando cada vez mais por um artista e sente o bafo da obsessão no pescoço. É o que está acontecendo em relação à Angela Maria. Conheci-a através do The Voice (POIS É), pois uma candidata cantou Tango para Tereza, música dela, e eu simplesmente me apaixonei pela letra. Sente só:

Era todo um passado lindo
A mocidade vindo na parede me dizer
Para eu sofrer
(...)
Trago a vida agora calma
Um tango dentro d'alma
A velha história de um amor que no tempo ficou

Como amo um bom drama, fiquei enfeitiçada pela letra, aliada a uma melodia bem sofredora. Porém, deixei passar. Mais tarde, mais precisamente este mês, decidi ler uma entrevista com Rodrigo Faour, o autor do calhamaço de 800 páginas, ou seja, sua biografia. Meu Deus, por quê? Fiquei morta de vontade de ler. Eu queria ler, eu tinha de ler. Depois de terminar A noiva estava de preto, entrei nessa trip louca. Antes eu já passava as manhãs ouvindo Angela Maria e traduzindo, a expressão máxima da minha vida descarrilhada. Angela é um dos maiores nomes da música brasileira e, durante muitos anos, ninguém reinou como ela. Saiu em revistas, foi rainha de tudo que era coisa e teve a vida cheia de escândalos e desilusões. Para ouvir Angela, é preciso se desprender de preconceitos. É dramático? É, mas isso é o mais fascinante. Se você não aguenta uma interpretação açucarada, então saia de perto. Pretendo escrever sobre ela no futuro.

The Highwaymen: como eu não conheci esse conjunto antes? Como amante de música country, a vergonha bateu real oficial ao descobrir que Willie Nelson e Johnny Cash e mais outros dois grandes nomes do country, Waylon Jennings e Kris Kristofferson, formaram esse conjunto nos anos 90. A canção Highwaymen faz parte da trilha sonora de Our souls at night e foi assim que os conheci. Meus filhos, que coisa mais LINDA e CHEIROSA. Tenho um fraco por música country, Dolly Parton, Thammy Wynette e Patsy Cline são minhas heroínas. The Highwaymen é perfeito para ouvir na estrada ou em algum lugar em que você possa apreciar a paisagem e pensar na vida. Costumo ouvi-lo enquanto leio, eles têm um efeito tranquilizante sobre mim.

Faixas favoritas:

Silver Station - Johnny Cash



Just to satisfy you - Willie Nelson e Waylon Jennings



Olhando para tudo o que escrevi acima é engraçado perceber como, mesmo decarrilhada, eu consegui manter meu cérebro ocupado com coisas de que gosto. Acho que é meu superpoder.

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